Com o processo sub judice, Opportunity lança Tiê no Alto Uruguai
Os moradores da Tijuca vão continuar alertando, no próximo fim de semana (12 e 13 de fevereiro), os interessados em comprar um apartamento na rua Homem de Melo, 169 sobre as irregularidades do empreendimento. O ponto de encontro será, às 9 horas, na porta do stand de vendas, situado a um quilômetro do terreno, na rua Conde de Bonfim, 497, no Tijuca Tênis Clube. A obra permaneceu embargada durante três meses, mas as máquinas da empresa de engenharia florestal Biovert voltaram em 21 de dezembro para finalizar a derrubada de árvores da Mata Atlântica e espantar de vez animais silvestres que habitam o local.
Apesar do deferimento da juíza Neusa Regina Larsen, em 14/12/2021, a favor do prosseguimento da construção do residencial multifamiliar com 240 apartamentos em área contígua ao Parque Nacional da Tijuca, a ação popular movida no processo nº 199185-79.2021.8.19.0001 encontra-se sub judice e a sentença ainda não foi proferida até o momento. O perito Heraldo Cesar Prado Junior entregou à juíza, com mais de duas semanas de atraso, o parecer técnico final, coincidindo com o período do recesso judiciário e dificultando a sua impugnação. A juíza ressalta em sua decisão que “devem ser observados os termos da licença ambiental”. A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação (SMDEIS), de onde saem as licenças ambientais no município, não deixa claro no site de consultas se a Autorização para Supressão de Vegetação (ASV), datada de 22 de julho de 2021, legitima essas novas ações de desmatamento.
O laudo pericial foi determinante na decisão da juíza ao informar a “inexistência de animais ou ninhos no local”, mas os moradores vêm registrando, diariamente nas redes sociais (perfil @naoaodesmatamento_tijuca), a presença de animais vulneráveis à extinção, como tucano-de-bico-preto e gavião-pombo, além da sapuva, árvore em extinção na Mata Atlântica. Habitam ainda na região maritacas, preguiças, macacos-prego, lagarto-teiú e várias espécies de aves.
A Constituição do Estado do Rio de Janeiro (art.268, inciso IV) estabelece, como Área de Preservação Permanente (APP), os espaços que abrigam exemplares ameaçados de extinção, raros, vulneráveis ou menos conhecidos, da fauna e flora, bem como aquelas que sirvam como local de pouso, alimentação ou reprodução. “Portanto, a área onde se encontram os indivíduos de sapuva, conforme Decreto Municipal n. 19.149 de 14/11/2000, enquadra-se como APP”, relata o parecer técnico do Grupo de Apoio Técnico Especializado do Ministério Público do Rio de Janeiro (GATE/MPRJ). O MPRJ acompanha o caso por meio de inquérito civil (ICMA 9272), instaurado com base em notícias recebidas por sua Ouvidoria.
A suposta presença de nascentes no local também foi rechaçada no laudo técnico do perito: “De acordo com a legislação e com as informações levantadas, as águas das duas cisternas foram classificadas como água subterrânea, porém descartada a possibilidade de tratar de nascentes ou de olhos de água”, afirma Heraldo.
O geólogo e morador Marcus Baessa participou da vistoria e relata: “Na residência 107 (da rua Helion Póvoa), há duas cisternas que se comunicam por válvulas by-pass, onde uma recebe água da Cedae e a outra é a captação de olho d´água. O imóvel foi adquirido pelo Opportunity para demolição e construção da entrada principal do prédio, necessitando realizar um corte no afloramento rochoso situado na base do imóvel, totalmente em desacordo com o Código Florestal”.
Bem tombado
Localizado na Área de Entorno de Bem Tombado (AEBT), o endereço faz parte da ambiência do Colégio Batista Shepard, tombado pelo Decreto 19.342 de 27/12/00 por ser considerado um importante bem cultural da cidade do Rio de Janeiro, datado de 1911. “A prática de qualquer ato que de alguma forma altere a aparência, a integridade estética, a segurança ou a visibilidade do bem tombado pelo município resume o conceito de ambiência do bem tombado, estabelecendo uma zona de amortecimento entre o que é protegido e o que pode ser ocupado de acordo com o Decreto 24.133 de 27/04/04, explica o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Júlio Cesar Sampaio, que também é vice-presidente do Icomos/Brasil.
Segundo o professor, a construção de três prédios em uma área de 9.677,24 m2 ao lado de edificações protegidas é incompatível com a preservação da autenticidade e integridade do conjunto arquitetônico. “A ocupação planejada pelo empreendimento provocará um acréscimo considerável da densidade demográfica na região dos bens culturais protegidos. O adensamento aumentará a intensidade do tráfego de veículos, que comprometerá a qualidade de vida local devido ao crescimento dos índices de poluições atmosférica e sonora”, acrescenta o especialista na conservação e preservação de bens imóveis.
De acordo com a advogada Iasmin Bizzini, houve deslocamento de competência de licenciamento de um órgão que zela pelo meio ambiente para a SMDEIS, desburocratizando as exigências e normas. Ela confirmou ainda que não existe estudo de impacto de vizinhança e que o maquinário pesado foi retirado do local para não constar no laudo pericial.
O advogado Bernardo Gonçalves explica alguns dos motivos pelos quais o desmatamento é ilegal: “A lei que trata da utilização e proteção da vegetação nativa do bioma determina que a conservação da Mata Atlântica é de interesse público e cumpre função social. Mais do que isso, a conservação de qualquer forma de cobertura florestal é obrigatória na cidade do Rio de Janeiro, a nossa Lei Orgânica veda qualquer redução das coberturas florestais consideradas indispensáveis ao processo de desenvolvimento equilibrado e a sadia qualidade de vida de seus habitantes”.
Após a liberação da obra, o vereador Reimont entregou ao secretário municipal do Meio Ambiente, Eduardo Cavalieri, uma carta explicando os erros do licenciamento do empreendimento imobiliário. Apesar do Opportunity ter divulgado que a construção equivale a apenas 10% do total da área, o trecho do terreno desmembrado, que pertencia anteriormente à Associação Evangélica Denominada Batista do Rio de Janeiro, vai abrigar quase 100% do condomínio.
Projetos de Lei
Três projetos de lei, que visam à desapropriação do terreno e impedem a construção do residencial, transitam na Câmara dos Vereadores e na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro:
PROJETO DE LEI Nº 703/2021 - Câmara dos Vereadores do Rio: declara este terreno de utilidade pública e implanta no local o Parque Municipal da Tijuca.
PROJETO DE LEI Nº 4838/2021 – Assembleia Legislativa RJ: tem por escopo a preservação do local e impede qualquer desmatamento na área.
PROJETO DE LEI Nº 4818/2021 – Assembleia Legislativa RJ: declara este local como área de proteção ambiental (APA) para, entre outras funções, preservar a estabilidade geológica da localidade.
Desmatamentos em áreas verdes no Rio de Janeiro
A cidade do Rio vai sediar, em julho de 2022, o Rio +30 Cidades, evento que celebra os 30 anos da realização da Eco 92 e discutirá o papel dos centros urbanos nas mudanças climáticas mundiais. De olho no protagonismo da cidade como referência internacional nas questões ligadas ao Meio Ambiente, a prefeitura passou a divulgar as ações de combate ao desmatamento, em suas redes sociais, e definiu um Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática do Rio de Janeiro. Entre as metas do PDS destacam-se: manter os 3.400 hectares reflorestados e consolidar mais de 1.206 hectares de Mata Atlântica, além de adotar estratégias para mitigação ou supressão das ameaças de perda da diversidade biológica terrestre e marinha.
"Até 2030, pretendemos reduzir 20% das emissões de gases efeito estufa, e até 2050 neutralizar as emissões de gases. Para fazer isso vai ser preciso muita ação conjunta", afirma o secretário de Meio Ambiente, Eduardo Cavaliere, em suas redes sociais.
Na contramão do discurso, o Executivo propôs o Projeto de Lei Complementar 136/2019, em tramitação na Câmara de Vereadores, que autoriza mudanças de uso e parâmetros de ocupação para imóveis tombados, preservados e localizados em áreas restritas a residências unifamiliares e comerciais. Mais um estímulo ao adensamento populacional que provoca desmatamento e abre espaço para a crescente especulação imobiliária na cidade.
“Uma das maiores causas do desmatamento no estado está diretamente relacionada à questão da ocupação do solo”, afirmou a promotora do Ministério Público do Rio de Janeiro Patrícia Gabai, durante a divulgação dos resultados da Operação Nacional Mata Atlântica em Pé 2021, em 30 de setembro de 2021. Nesse evento, Cristina Seixas Graça, presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), alertou que há um trabalho forte no Congresso Nacional para desestruturar o arcabouço jurídico da Mata Atlântica em face da agricultura, dos empreendimentos imobiliários e da produção de carvão.
Licenças urbanísticas e ambientais
Segundo a jurista Sonia Rabello, o maior vilão do combate ao desmatamento é a falta de transparência na concessão de licenças ambientais e urbanísticas. “Apesar de ter sido criada, neste governo, uma secretaria inteira para esta função – a SMDEIS – a sociedade não tem como saber quem pediu, onde e o quê foi pedido”, afirma a professora e colaboradora do Lincoln Institute of Land Policy (EUA).
Reivindicação antiga da Federação das Associações de Moradores do Rio (FAM-Rio), a publicidade dos pedidos de licenças ambientais e urbanísticas são fundamentais para controle social e de vizinhança. “O civilizado seria que qualquer cidadão pudesse, ao entrar no site da prefeitura, encontrar com facilidade, informações básicas sobre os processos públicos e de pedidos de licenciamento em tramitação. Isso permitiria o controle social e ajudaria enormemente a deficiente fiscalização pública de construções irregulares”, explica Sonia.
As comunidades da Tijuca, Horto, Realengo, as Vargens, Deodoro, Santa Cruz, Jacarepaguá, entre outras, já perceberam a distância entre o discurso e a prática do poder público. Ameaçadas pelo desmatamento e a degradação ambiental em suas regiões, os moradores criaram seus próprios movimentos em defesa das áreas verdes e da saúde ambiental da população do Rio de Janeiro. Também formam juntos a Articulação Carioca de Justiça Socioambiental, que luta pela transformação de seus espaços em áreas de preservação ambiental, por meio da criação de parques ou unidades de conservação permanente.
No dia 1º de dezembro de 2021, representantes dos movimentos da Articulação Carioca participaram do lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Justiça Socioambiental, composta por 28 vereadores, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Na ocasião, foi realizado um debate público: "Resistências aos danos e violações socioambientais decorrentes do desenvolvimento econômico na cidade do Rio de Janeiro”.
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